sábado, 22 de junho de 2013

UM DIÁLOGO COM PE TENTE

Ele me atendeu com uma voz clara e perfeita:
- Bem-vindo a central de informações de Curitiba! Para sua maior comodidade acesse também a central pela internet, 24 horas por dia, todos os dias da semana. Caso queira falar (não, não... eu só liguei para ouvir essa bela voz) tecle 1 para isto, 2 para isso, 3 para aquilo... ou aguarde 'alguns minutinhos' para ser atendido. Teclei. Aguardei. Depois de 9 minutos, uma outra voz pigarreou ao telefone e eu logo fui falando:

- ALÔ!? é da Secretaria de saúde?
tem bastante água parada em Piraquara, Pinhais, CIC, Barigui! vocês não vão lá hoje vistoriar não? Ah tá! não é da competência de vocês nesse caso? Tem que ser com a Defesa Civil? Ok, obrigada!

Alguns minutos depois de falar com a já conhecida voz e teclar os números que ele sugere:
- Alô!? É da Defesa Civil? Então, vários bairros de Curitiba e região estão alagados! As famílias estão em situação deplorável! Vocês vêm? Como? Não é da competência de vocês? Mas a Secretaria de Saúde disse que é! Ah tá, eles não tem competência para tal informação! Então, para onde eu ligo? Hum, para a prefeitura direto! Ok, obrigada!

Muito tempo depois, e confesso, quase começar um relacionamento afetivo com o atendente - em tempo lembrei que era apenas uma gravação - me atenderam:

- Alô!? É da prefeitura? Então, eu estou tentando comunicar sobre a situação que está ocorrendo em várias partes da cidade. Casas invadidas pela força das águas, muitas pessoas isoladas, que perderam bens e estão sem condição mínima de abrigo por conta disso! Vocês vêm? O quê? Sim, eu participei do protesto nessa semana, mas... Ah, a prefeitura foi depredada e a culpa é minha? Mas eu só estava protestando contra a falta de investimentos, descaso do governo em relação ao povo! Eu sei que durante o protesto alguns se aproveitaram para quebrar e invadir propriedade pública e privada, eu sei disso! Mas eu não compactuo com isso, não sou favorável a esse tipo de atitude! O que eu quero é mudança, como milhões de pessoas pacíficas também querem. Não... você está errado! Não é tudo farinha do mesmo saco! Há protesto legítimo e sem violência sim! O quê? Vocês vão deixar como está para que o povo aprenda a não protestar? Eu protesto! Não pode ser assim! Como? Os problemas decorrentes da força da natureza não é da competência de vocês? Então é de quem? Você não sabe me dizer? Tem alguém competente para me dizer sobre a competência? Alô!? Alô!?

tu tu tu tu tu tu

Bando de incompetentes! (Alde Maller/jun/2013)

terça-feira, 11 de junho de 2013

CONSENTIMENTO

"DÁ ATÉ VONTADE DE DIZER QUE TE AMO!"
Ele a olhava calado e essas foram as únicas palavras que saíram de sua metade pensante. Havia noites que ficava ensaiando como dizer a ela que não conseguia mais disfarçar o silêncio que se instaurara entre eles. Lembrava sempre das horas em que até as músicas tornavam-se diálogos. Se dissesse algo poderia quebrar aquele momento em que ela simplesmente pedia a sua companhia.
A chuva fina começava a cair e sem uma sequer menção de se levantar, ela encosta a cabeça no ombro dele e sorri um sorriso triste. Era isso que tinha imaginado dali em diante. Ficar assim, sem nada dizer, sem nada querer, apenas sorrir. 
Talvez essa necessidade de silenciar-se tenha nascido da falta de falar o que lhe ia ao coração, mas fazer conjecturas, tendo a lua por testemunha e à frente escuridão, não era muito sano. Ele encosta os lábios na testa fria e suspira baixinho para não cortar os pensamentos que brincavam à intensidade do vento. 
Era bom, de novo, estar ali! os cabelos longos novamente encostando em seus braços, as pernas roçando seus joelhos, aquele perfume, suave, doce, memorável. Ele sabia que ela iria em algum momento pedir. Ele estava ansioso pois já havia se recusado por algumas vezes a dar a ela aquilo que mais lhe causava temor. Chegou a conclusão que por mais esforço que fizesse não comandava mais seu coração. Ele a acompanhava em silêncio, assim como ela estava.
Então... ela pediu...
e ele, consentiu...
(Alde Maller - mar/2010)

QUE O AME

- Se você tivesse demorado um pouco mais o olhar...
Ele dissera isso com tanta certeza que todas as dúvidas que ela tinha acabaram de uma vez por todas. Ela já havia diagnosticado seus erros em relação a ele. Imaginara que se tivesse percebido antes muita coisa, que agora se dispunham ali a sua frente, talvez muita dor seria evitada. Talvez! Por que esta mania de duvidar de tudo? Ele estava ali olhando o por do sol, mas era como se não olhasse... Ela sempre tivera a sensação de que sempre ela precisara mais dele do que o contrário. E ali ele parecia tão indefeso!? 
Ela se lembrou de quantas vezes fora até mesmo grossa, insensível como se sempre estivesse em posição de guarda. Ele apenas queria aproximação, mais nada. Ela tinha medo de que ele pudesse finalmente lê-la e interpretar essas entrelinhas que lhe eram tão singulares. Ali, naquele momento em que o sol mantinha a sombra dos dois por um longo período, ela via a insatisfação estampada no rosto dele, de tudo aquilo que ela não deixou vingar, aprofundar, enraizar. Aquele namoro tão agitado e do jeito que ela mesmo ditava, de nada tinha de suave, especial. As cores que ela usava para pintar a aquarela do encontro deles eram cores de segunda e foram apagando-se assim que tomaram forma. 
Na verdade, muitas vezes só o que ele precisava era de um porto seguro, um lugar para estar, quando todos os outros estivessem ruins, e ela não percebera isso e acabava reagindo da pior maneira... afastando-o. Ela se ocupava tanto com as lembranças do passado que não conseguiu decifrar os pedidos de ajuda que ele lançara sutilmente. Mesmo que ela dissesse que a culpa havia sido dele, ali, diante do sol, tudo ficava claro. 
Ele jamais pedira a ela uma certeza dos sentimentos nutridos, mesmo porque ele já sabia de antemão a resposta, que ela mesma tentava disfarçar, esconder. 
Ele lança a ela um olhar tão gentil que desmonta qualquer defesa que ela havia por horas ensaiado diante do espelho que tantas vezes presenciou seus ataques de melancolia. Ele estava ali... e aquele olhar penetrava tão fundo que ela não conseguiu sustentar o tempo suficiente. Ele pega o queixo dela e devagar e com doçura característica, diz:
"- Sou apenas um homem, diante de uma mulher, pedindo a ela que o ame..."
E foi assim que ele na penumbra, vagarosamente, começou a ir embora!
(Alde Maller - jun/2009)


"Se por algum momento você achar que vale a pena tentar recomeçar de uma maneira nova, com mais clareza, eu estou disposta a ser o que eu não fui..."

SAUDOSISMO

não se vê mais as mãos entrelaçadas
os papos na calçada
os risos abafados na praça...

nem as contas infindas dos pés enfiados na areia da praia
dos mergulhos fora de hora
das torcidas pelas chuvas momentâneas para um banho inocente!

não se vê mais a cumplicidade nas meias verdades
nas brincadeiras, besteiras
nos instantes de dor...

não se nota mais dois corpos deitados no velho trapiche
nem os cabelos ao vento
as flores não foram mais colhidas, nem admiradas!

tudo se foi...
restam olhos distantes que não sorriem
e este silêncio que apavora!

até o nascer do sol
parece que hoje nasceu em algum outro canto
só ficou mesmo a saudade por companhia
e esta,
teima em ficar!
(Alde Maller - mai/2009)