sábado, 26 de outubro de 2013

MINHAS TARDES COM MARGUERITTE

“Um encontro pouco comum, entre o amor e a ternura, não tinha outra coisa. Tinha nome de flor e vivia entre as palavras. Adjetivos rebuçados, verbos que cresciam como a grama, alguns ficavam. Entrou suavemente desde o córtex até o meu coração. Nas histórias de amor há mais que amor. Às vezes não há nenhum “eu te amo”, mas se amam.Um encontro pouco comum. Eu a conheci por acaso no parque. Ela não ocupava muito espaço, era do tamanho de uma pomba com as suas penas. Envolta  em palavras, em nomes, como o meu. Ela me deu um livro, e outro, e as páginas se iluminaram. Não morra agora, há tempo, espere. Não  é hora, florzinha. Me dê um pouco mais de você. Me dê um pouco mais de sua vida. Espere.Nas histórias de amor há mais que amor. Às vezes não há nem um ‘eu te amo’, mas se amam."

Achou que é uma poesia? São as palavras finais do filme francês 'La tête en friche' - Minhas tardes com Margueritte em português. E acertou! É uma poesia mesmo! Gerard Depardieu, o ator que faz o personagem principal, Germain, recita essas  palavras enquanto à frente vê-se um campo cheio de margaridas e uma longa estrada a trilhar. Tudo não soa nada mais que um paradoxo. A pessoa a quem ele dedica essas palavras tão singelas, é Margueritte (Gisèle Casedusus), uma velhinha com 96 anos, que ele acaba de tirar de um asilo municipal. 
Germain e Marguetitte se encontram em uma tarde na praça da cidade, curiosamente com o mesmo gosto: dar comida aos pombos, contá-los e dar nomes a eles. Ele, um homem simples, que teve muitos problemas com a mãe, nunca conheceu o pai e ainda por cima na escola sofria com chacotas dos colegas e principalmente seu professor, que não perdia uma oportunidade para chamá-lo de burro, por conta disso nunca passou do primário e tem dificuldades com a leitura. Apesar de tudo isso, é um ser humano que aprendeu a ver o sofrimento dos outros e tem um coração gigantesco. Já Margueritte, uma velhinha, dessas que dá vontade de levar para casa, é profundamente culta, com sabedoria coloca as palavras no momento certo e com seu jeitinho e olhinhos encanta Germain. Ela mora numa casa para idosos, patrocinada pelos sobrinhos que a visitam de vez em quando. Gosta de ir à praça para ver os pombos e não se sentir tão sozinha e ler na companhia deles.
Uma amizade, pouco improvável, começa a existir no momento em que eles se encontram. Germain aos poucos deixa-se levar pela leitura de Margueritte de clássicos que ele nunca ouvira falar. O primeiro deles é de Alberto Camus -  A peste. Margueritte percebe que Germain tem uma simplicidade e inocência e pouco contato  com o mundo letrado e começa aos poucos incentivá-lo a querer saber mais e viajar pelo mundo através da leitura.
Só isso já seria o motivo para fazer desse filme algo magnífico! Porém o diretor Jean Becker, com sua sensibilidade consegue transpor para as telas a bela história escrita por Marie-Sabine Roger. 
É um filme curto, daqueles que você queria que durasse um pouco mais, que faz você pensar nas amizades verdadeiras e no que realmente vale a pena cultivar. Pelo menos a mim, envolveu-me de uma forma inquietante e impactante do começo  ao fim, de forma simples e tocante. Recomendo!